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Adolescência (2025): O Olhar Prolongado que Nada Revela

  • Foto do escritor: Pedro Alves
    Pedro Alves
  • 17 de mar.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 19 de mar.



Adolescência acompanha Jamie Miller (Owen Cooper), um estudante de 13 anos, que é acusado de cometer um homicídio. Enquanto isso, a comunidade escolar e sua família são forçados a confrontar as dinâmicas tóxicas que permeiam seu cotidiano. Através de planos-sequência que pretendem capturar a experiência em tempo real dos dias que sucedem o crime são "reveladas" as “complexas” relações entre os estudantes, as “tensões” familiares de Jamie, a “indiferença” institucional da escola e o “papel” das redes sociais na amplificação do sofrimento adolescente – percebam as aspas. A minissérie de quatro episódios almeja expor gradualmente (do microcosmo da família de Jamie e da delegacia, até o macro da sociedade em geral) como o protagonista passa de vítima a agressor, numa espiral de violência que ninguém ao seu redor consegue – ou se importa em – interromper.

É curioso notar que, desde seu lançamento, Adolescência tem sido recebida com entusiasmo quase unânime pela crítica especializada. Tom Peck do The Times a descreveu como "perfeição completa", enquanto o crítico da Deadline, Jake Kanter, a considerou "impecáveis quatro horas de drama televisivo" – grifos meus. Mesmo a técnica do plano-sequência, que aqui aponto como problemática, tem sido celebrada como uma inovação formal poderosa. O roteirista Jack Thorne explicou que a série buscava "olhar nos olhos da raiva masculina" e Stephen Graham, ao defender a obra na BBC, citou como inspiração dois casos reais de meninos que esfaquearam meninas até a morte, questionando: "O que está acontecendo na sociedade para que esse tipo de coisa esteja se tornando uma ocorrência regular?". É uma questão pertinente, sem dúvidas, mas que me leva a indagar: será que a execução formal escolhida realmente consegue tratar (de alguma maneira) as raízes desse fenômeno social?

Com exceção de partes do segundo e terceiro episódios, onde finalmente há uma idealização visual atrativa, a série frequentemente nos entrega episódios visualmente monótonos e desinteressantes. Diferente do que vemos em Festim Diabólico (Alfred Hitchcock, 1948) ou Arca Russa (Alexander Sokurov, 2002) – até mesmo em obras menos inspiradas como Gravidade (Alfonso Cuarón, 2013) ou 1917 (Sam Mendes, 2020) –, onde a técnica serve a propósitos narrativos específicos, em Adolescência o dispositivo do plano-sequência parece existir por si mesmo, como se a destreza técnica fosse mais importante que a narrativa sendo encenada.



Como John Gibbs e Douglas Pye apontam em seu trabalho sobre o plano-sequência, existe uma diferença crucial entre os planos longos que servem a propósitos narrativos específicos e aqueles que são meros exercícios de virtuosismo técnico. A técnica é celebrada por sua capacidade de criar o que Robin Wood chamou de "um perfeito equilíbrio — em termos do envolvimento do espectador — entre simpatia e distanciamento". É precisamente esse equilíbrio que Adolescência não consegue estabelecer: nem somos convidados a uma distância crítica que nos permita refletir sobre as questões apresentadas, nem nos aproximamos emocionalmente dos seus personagens protagonistas.

A minissérie toca em uma diversidade impressionante de temas: masculinidade tóxica, bullying, cultura digital, incomunicabilidade geracional, distanciamento familiar, a culpa carregada pela família de um criminoso e os traumas coletivos resultantes da violência. Contudo, ao tentar abarcar tantas questões simultaneamente, a obra parece mais interessada em apontar a sua existência do que desenvolvê-las (de qualquer maneira que seja). Cada tema na série de Barantini é apresentado quase como um item de uma lista sobre problemas contemporâneos, sem a progressão necessária para construir um argumento coeso ou um olhar original. A violência na obra funciona mais como dispositivo de enredo do que como elemento a ser verdadeiramente investigado em suas raízes.

Os personagens reagem de maneiras unicamente visando a progressão do roteiro, sem que sejamos convidados a questionar as estruturas que permitem e perpetuam tais comportamentos. O elenco demonstra competência, mas frequentemente é limitado por diálogos artificiais e situações calculadas para gerar tensão momentânea. Os adultos são predominantemente retratados como figuras distantes, perpetuando o clichê de gerações incapazes de se comunicar – um lugar-comum que a série aceita sem questionamentos até os seus minutos finais. Adolescência parece sofrer de uma dissonância fundamental entre ambição temática e execução técnica. A opção pelo plano-sequência, que deveria enriquecer a experiência, acaba limitando-a, enquanto a amplitude temática resulta em abordagens superficiais de questões que mereceriam tratamento mais nuançado.

Talvez falte a Barantini a compreensão daquilo que Bazin e outros teóricos valorizavam no plano-sequência: não a duração em si, mas o que chamam de "olhar sustentado" – um olhar que define todos os planos longos e que convida o espectador a uma forma específica de atenção. O que exatamente estamos sendo convidados a olhar tão demoradamente em Adolescência? Qual o propósito desse olhar prolongado sobre a juventude contemporânea? A série não responde a essas perguntas essenciais. É interessante observar que mesmo alguns críticos entusiastas, como Anita Singh do Telegraph, reconhecem que a técnica "pode parecer um truque". No entanto, a maioria acaba cedendo ao fascínio pela virtuosidade técnica e pelas performances do elenco – especialmente a do jovem protagonista, que frequentemente é citado como "fenomenal" e "verdadeiramente notável". De fato, as atuações são competentes, mas o que me surpreende é como a recepção crítica mainstream tem se focado quase exclusivamente nos aspectos técnicos e performativos, sem questionar se as escolhas formais realmente servem à compreensão mais profunda do fenômeno social que a série alega explorar.

É curioso como, em 2025, com todas as facilidades tecnológicas disponíveis para a execução de planos-sequência digitais – liberados das limitações técnicas que Welles, Hitchcock ou Murnau enfrentaram em sua época –, Adolescência ainda produz planos longos esteticamente limitados. Em filmes como os de Kurosawa ou Welles, o poder do plano-sequência reside na forma como ele abre uma alternativa estilística dentro de um filme cuja edição não se baseia exclusivamente em tomadas longas. É essa dialética, esse contraponto, que iria contribuir bastante para essa narrativa, mas que Barantini parece não compreender.

Adolescência busca se destacar por sua abordagem técnica e pela amplitude de seus temas, mas acaba se perdendo entre suas próprias ambições. Como um híbrido entre coming of age e série policial, a série poderia mostrar uma transição significativa, um choque da realidade estruturante. Para quem produzimos conteúdo sobre adolescência, então? Mais importante: por que produzimos esse conteúdo? Essa indagação que permeia muita das minhas reflexões sobre obras focadas na juventude encontra em Adolescência uma resposta ambígua.


Referências:

GIBBS, John; PYE, Douglas (eds.). The Long Take: Critical Approaches. Palgrave Close Readings in Film and Television, 2017.



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